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de quando fica tudo embolado no coração da gente:

  • Foto do escritor: Gabriela Cavalheiro
    Gabriela Cavalheiro
  • 1 de fev. de 2017
  • 3 min de leitura

de quando fica tudo embolado no coração da gente:

hoje depois que tiraram um pedaço de mim eu conheci franciele, uma moça da guiana francesa ela me pediu um cigarro e nós fumamos abençoadas pelo manto da recém amizade estrangeira que não consegue se comunicar perdidas entre idiomas linguagens dialetos mímicas ela mora em uma casa de imigrantes no pari e me contava como estava vivendo cada dia e como era cada passo 'aos poucos, aos poucos', repetia, mexendo seus dedinhos e mãos e falou sobre ouvir ouvir rádios, tv, conversar. ouvir pessoas, vozes, acentos. falou da importância de se ouvir. fran está escrevendo suas primeiras palavras em português, vai começar o curso e está empolgada. je suis francielle, je suis gabriela. eu também tenho ouvido muito e estou com orelhas cada vez maiores. quando eu falo tchau, ela me responde com 'au revoir' e eu só consigo pensar em como seus olhos tem aquele brilho de quem chega com milhões de sonhos eu espero que essa selva não triture seu coração e lhe seja bondosa: que te ensine, mas que te entenda - e que você saiba mais de amores e afetos do que violências

um homem gay, sentado ao meu lado da sala de espera, falava o quanto era um absurdo as pessoas se atracando na rua, os homens de mãos dadas e as mulheres fazendo passeatas. tudo está um torpor. e prosseguia, aos xiliques. gênesis. rio de janeiro. o despudor do corpo. como os costumes mudaram! sua voz contrastava com os pingos das goteiras no corredor, batendo nos três baldes - um vermelho, outro verde e outro azul

da outra vez, era joão que estava no meio do corredor, dormindo. ele havia encontrado com uma mulher que estava preocupada. joão banhou em tal lugar, comentavam com ela, que parecia se preocupar com olhar perdido na parede. ele levantava o dedo com seus olhos vermelhos, como quem vai dizer mas perde as palavras e se cala, e ela sorria para ele. quando joão dormia no corredor, fazendo sua grande mala de travesseiro, nos lugares que hoje estavam os baldes, ela olhava pra ele com os olhos brilhando, acariciando com o olhar, admirando e sendo guardiã de seu sono. quanto mais tempo passo, mais me entendo menor nessa caminhada, e precisando aprender ainda sobre muitas coisas, mas aquele dia, quando eu vi, eu soube: isso é amor.

amor que nem hilda, que hoje ao lado da minha cadeira cantava aquelas cantigas de cabo verde para moisés, seu filho - que no auge de seus 4 anos não parecia se importar com a missão de abrir os mares, mas estava ocupado escalando cadeiras. a mãe, com sua voz aveludada, cantava no ouvido de moisés. o som escapava, e eu ouvi. não sei se de alguma forma eu quebrava a intimidade dessa relação ouvindo, mas era lindo. eu não habitei aqueles mares mas também me emocionei e tive a voz embargada com essas c'antigas

é que de manhã na dino bueno com a glete são gritantes os pedaços de tendas e de diferentes humanidades os poucos brancos que existem são da tinta da parede daquele enclave fortificado, fortaleza perdida naquele espaço, como ilha, com seu branco higienizado, catracas, seguranças um em cada ponta

ao sair, ao passar o tempo, aparecem gcm's que 'controlam' o fluxo, a passagem. os braços antes abertos se fecham aos poucos, e o recomeço é outro - isso tudo aqui ia virar venezuela? isso tudo aqui vai virar o.s.

da última vez que eu fui lá, eu ouvi um tiro pro alto minha mãe sempre pegava no meu braço quando ouvia um tiro, assustada - pra tentar não ficar muito triste, ou um artifício da memória sempre penso que ao invés de tiros, na verdade eram fogos de artifício ou rojões; nada que machuque diretamente, e que consiga diminuir nossa angústia ao longo desses tempos confusos de regressos, recuos

seria ingênuo dizer que hoje foi uma manhã bonita ou quase - só porque não vemos ou ouvimos um tiro, não significa que ele deixou de ser disparado.

 
 
 

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