.Onírico.
dos saberes dos sonhos
minha pele também é de temperatura elevada
constatada igualmente pelos acolhimentos nos braços de tantas rainhas que por cá passaram, passam e ainda hão de passar
[como passarinhos, livres]
a cidade pode ser bruta, um contraponto a nossa necessidade de afeto e afago
é isso que o sonho nos faz e traz: somos zepelim içado lá no alto, como pipas, sem compromissos, olhando totalidades, somos onipotentes, dirigimos cenas, tudo é possível e permitido.
se a babilônia nos espezinha com suas engrenagens, é pelo sonho que podemos achar no canto das máquinas, espaços com flores e raízes, refúgios de respiros e reinvenções
um suspiro do fundo do peito em meio a névoa e neblina
não sei se deixo claro no tato e no toque, mas me atrevo
está escrito no corpo
há que se fazer boas leituras para capturar e captar nuances das entrelinhas, ultrapassando as barreiras da casualidade.
como sempre, necessário coragem, para se mostrar, para se ver.
prefiro que me tomem como além da conta do que pelo tom morno
[é sempre melhor sobrar que faltar]
planos fragmentados eram os da noite, enquanto deslizava pela correnteza dos quereres um pouco amolecida por quantidades etílicas. o céu não pode dançar sozinho, não é mesmo?
valsavam sim nossos corpos no breu daquela noite, naquela negociação implícita, na dança, quem conduz e quem é conduzido, há quem controla o ritmo e quem controla os movimentos
naquela noite com minhas retinas já adaptadas pela escuridão, nossos corpos eram banhados pela luz da lua, nossa única testemunha
coloco meus braços para trás
você se aproxima cada vez mais
que pena não ter outro foco de luz que não os sexos pulsantes escorrendo seivas e salivas: queria registrar o momento
a utopia de reter e rever a cena, descobrindo que há um ou outro elemento novo, para que não se percam as lembranças, que vão se perdendo e desfazendo aos poucos, apagadas pela ótica do tempo
queria pendurar esses pedaços de existência em inúmeros cantos, decorando ambientes
na memória
toda
uma vontade
de agarrar
o seu olhar
e colocar teus olhos doces e sinceros pela cidade inteira: seu olhar cheio de candura derreteria um pouco da maldade dos dias, das más intenções
subo então, com cuidado, minhas mãos
por entre teu corpo, o dia insistia em rebentar enquanto eu tentava, inutilmente, morar naquele momento. fui hóspede de alguns corpos, mas o dia sempre insiste em nascer, os ponteiros correm na esquina do tempo e são, por vezes, apressados, fazendo da estadia, rapidez. também pelas veias, vim, vivo, vou.
e por mais democrático que seja, é o desejo que dá certezas.
e não só deitar o corpo em pele, mas a pele em corpo. o repouso no dorso é jogo de carinho e intimidade.
por mais que haja um pouco de medo de transpassar você com minhas intensidades
mesmo que seja só para ressoar por suas margens
acho que o amor também é uma palavra suada entre meus dedos
durmo - até o mar precisa descansar
esculpimento
não talhe seu todo para que ele preencha as lacunas de outro corpo
talvez eu estivesse ocupada demais perdida nos labirintos dos meus desejos, tecendo a árdua trama do flerte, construindo a arquitetura do gozo, pensando nos delírios dos mais diversos quereres que me habitam.
como navegante de um mar desconhecido, eu, pobre marinheira de primeira viagem, me perdia facilmente no canto daquela sereia - não haveria astrolábio que me guiasse ou nau que fosse capaz de me voltar para a rota original. quando me dei conta, estava inebriada e inerte com o corpo doce e macio da sereia em cima de meu corpo, presa no fundo do mar, fascinada com a beleza das algas e corais, do mistério que se revelava diante de meus olhos e o contraste de sua cauda no cenário.
não sei se foi o sexo ou se foi o sorriso
se é efeito ou se é encanto
a vênus em leão
o encaixe santo [mas também profano]
o beijo profundo na pequena arte do cotidiano
o arrepio que se estendia por todas partes do meu canto
eu estava totalmente entregue no profundo descanso, olhando seus olhos e me perdendo naquele tanto.
me perdi naquele corpo como se perdem as horas, o tempo, a dignidade, as chaves, sem nem ao menos saber como proceder para se achar.
que pena seu nome ser tão curto, quisera eu que tivesse milhões de sílabas para que ficasse por muito mais tempo em meus lábios
sereia
lembrança
tempo ao trauma
tempo ao tempo
cada qual vai na paz
se for capaz
no átrio de seus males
remoendo saudades
exercício
mergulha no meu sexo
seja ele qual for
como se lança trapezista de circo
meu amor
conselho
jura junto & jura memo
anote bem o juramento
sem humildade tome tento
com esse seu comportamento
não importa se é da rua
de movimento
da academia
de evento
sendo a palavra
instrumento
t[r]oca tranquilo
feito o tempo
essência
as avenidas
são mares
e há sereias
pelas ruas
homero não é nada
quando há safo
e suas musas
ser fiél ao que
percorre o peito
no cosmos, na cama
estrelas ou travesseiros
a hora passa
o sexo pulsa:
desejo expurga,
nunca se expulsa
pele
Será que essa pele fina seria capaz de absorver ou absolver os meus pecados?
pensa
atentando então
olhando os dedos da mão
com essa paixão
de beijar bocas
devorar moças
agarrar coxas
ouvir gemidos
abafar suspiros
lamber ouvidos
enlouquecer sentidos
cantando a vida lá como for
que o que encanta mesmo é o amor
do corpo e suas corporalidades
[goles de maldade]
como sangue que acorda vampiro
nunca, nunca é tarde
para o relógio do desejo
não existe medida de tempo
quando se vive a eternidade
TOMbo do navio
ai
se você soubesse
como trincam
meus músculos
toda vez
que você aparece
todo um calor
que nem conhaque
consegue
não há corda que me
amarre nesse mastro
e não há cera
que cerque meus ouvidos
o balanço do mar
faz com o marinheiro isso:
ao avistar sereia,
logo existo
daquele jeito,
sem nem avisar
lá está você em seu lugar
[qualquer pedra em alto mar]
esse inebriante canto
que me encanta
todo o peito
não tem penélope
que aguente
desse jeito
nem penso mais
em ítaca
quando te vejo
ai, sereia, vem agora
e me devora
pra te amar no mar
não tenho hora
labúzios
[com os búzios na mão, falava por seus lábios:
não se feche, não há filha de iansã que não tenha passado por uma grande decepção amorosa, veja bem]
que naquela laje
eu bem chorei
e foi de saudade
será que há
quem sabe
usar a saudade
de outro jeito
como combustível
e não como freio
gourmet
quem nasceu para ser lounge
não sabe a delícia de ser laje
contradição
"+ carinho
- carão"
fala de peito cheio o moderno truqueiro
que nem ao menos
fala oi pro faxineiro
ou dá bom dia pro porteiro
seje
Seje marginal,
seje herói,
aí aproveite
e também seje menas
signo
queria saber o que há por dentro
no âmago, dentro das camadas, no íntimo,
só que o encontro não parecia ser caminho do destino
vai ver alcebíades era aquariano e sócrates, taurino...
manual
deita em minha cama
minha musa momentânea
a rainha que eu quero coroar
talvez por uma só noite
[e nunca mais]
mas venha
salve a selva
salve a selvagem
a seiva e a saliva
não se acanhe,
e nem se avexe,
não tenha alma pequena
entenda do que é feita a fibra de meu fêmur
e faça questão de demorar com sua língua
e lamba
lamba minhas cicatrizes
como se fossem selos
cartas distantes,
cartas distintas
me sele
me monte
percorra meu monte de...
vênus;
a minha é em leão
(contém traços de tesão)
monte
de
buracos
entenda todos,
não são apenas três os destinados ao sexo
ai
se você falasse francês
sussurrado ao pé de ouvido
que entra como estrondo
causa estrago
é maremoto,
é terremoto,
faz aquela delicada embriaguez do corpo
mora em mim
pra eu te ver perto assim
[das cicatrizes
dos cortes
das conjunturas]
te conto histórias gostosas de cada tombo dessa vida
meio mole, nada fácil
conto quantos trovões eu já ouvi e fizeram tremer meu corpo
ou quantos foram os gemidos todos
já tive sim tremiliques tortos
as batidas do coração
ou qual é o caminho do sopro
que percorre o pulmão
Os demônios e a eterna tentação
e das águas que passei
os mares que me banhei
as sereias que frequentei
as sereias que me frequentaram
quem foi que me molhou
quem foi que me deixou molhada
sem purismo? que nada...
o mar é grande
a sorte, ingrata
como fruta na feira, aqui passou a mão
tem que comer
porque
a pele em brasa
O desejo
A febre
- Não era desengano da mirada
não me deixe pros passarinhos, não me deixe criar mofo
eu não sou encosto
e não me estrague, me trague
não me negue: se entregue
Por último
não olhe nos olhos
da medusa
caso não queira virar pedra
mas fale com ela
reparar
e se depois de muito tempo
quando a luz da lua banha
o corpo de quem você ama
o seu coração descompassado
ainda inflama
veja bem:
não é chagas
é façanha
venho
venho acordando com muita sede:
sede dos teus lábios
e sede de justiça
da mulher
da mulher
com as mãos decepadas
às trans assassinadas
a que recebeu cotovelada
àquelas que foram queimadas
das pretas,
das pobres,
das periféricas,
escondidas
nas vielas
nos barracos
nas favelas
em vagões de metrô
tendo que ouvir
montes de merdas
como 'estupra ela'
como se a culpa
fosse dela
porra, che guevara,
me ajuda
como endurecer
sem perder a ternura?
corpo cidade
quem me dera fazer mágicas:
transformaria você na minha cidade
seu sexo seria meu marco zero
suas tatuagens virariam graffitis
as cicatrizes seriam buracos ou lombadas, que acabamos nos acostumando e até mesmo gostando
ruas, vielas, esquinas, avenidas
eu te percorreria
todo dia
do centro à periferia
falso brilhante
De longitude, cerca de uma hora e meia
E na temperatura, 3 graus a menos, exceto em dias ruins que eu só conseguia reparar meu coração debaixo de uma grande neve, numa sensação térmica inacreditável, aquela garoa fina que corta a alma como lâmina, que pega nos ossos
e com meus pés suspensos naquela rodovia que os carros passavam num rasgo muito além do limite de 70 quilômetros imposto enquanto eu observava minhas botas,
como criança
no parque,
no alto de uma balança
não conseguia olhar em seus olhos enquanto assinava mecanicamente os papeis necessários
e tentava, em vão, sofridamente, me fazer perguntas. Aonde eu estava morando, como estava o trabalho, o casamento, a faculdade. Esteve tão longe que mal sabia que eu havia me separado, graduado e numa infinidade tal qual o horizonte, com outras línguas, linguagens e sabores: passei uma semana comendo pimenta, mas sobrevivi.
ao fim de um monólogo sobre a crise econômica, então proferiu, tímido, aquilo que restava de sua coragem
'eu te amo'
são nos olhares
que se escondem as saudades,
sempre disfarçadas por amenidades...
e efemeridades
Olhei para baixo
Como antes havia olhado para minhas botas suspensas naquela rodovia que os carros passavam os 70 quilômetros de limite de velocidade imposto
talvez essas botas que havia elogiado também haveriam de pisar em seu coração
Assim como em outras vezes as suas botas que eu elogiei eram as que pisaram no meu, espezinhando restos de sentimentos, num sangue escuro escroto pisado
e éramos sim, animais sedentos por sangue, que se importavam mais em apontar os erros alheios do que abraços em nossas vidas medíocres e nossas similaridades tamanhas, desesperados pela descoberta de que viver é só isso, mas não só, ao mesmo tempo que é tudo isso.
mas dessa vez, sem cervejas, sem risadas
Como será que um carinho tão grande poderia virar um monstro de garras afiadas que transformava duas pessoas naqueles animais peçonhentos, minerais brutos, que vociferavam e esbravejavam como numa jaula, aprisionados nessa gaiola de ódio, dominados pela ganância do capital, sem menores pingos de sensibilidades para entender o que ali se passava e se ocorria, revoltos no manto vermelho do orgulho?
são roupas
roupas de rei nu
que poucos conseguem ver
Uma pena que a nossa alma seja tão pequena
- mas que intensidade e que fogo ver nossos ideais crepitando, sendo defendidos de uma maneira tão forte que podemos ambos naufragar em nossos titanics pessoais sem ao menos fazer a brasa apagar em contato com pedaços gigantes de gelo
e no dia seguinte,
que era mais que o mesmo
(já que eu não havia conseguido dormir direito)
eu estava voltando de parelheiros sem ter visto os índios. um carro desgovernado quase bateu no meu, em alta velocidade, atravancando o canteiro do outro lado. uma fração de segundos me salvou. pensei em te ligar e te contar que eu quase havia morrido, que a brutalidade daquela cena me deixara muda, tocando minha sereia na barriga, que me protegia dos mares do mundo. mas como poderia eu ser assim tão honesta, e deixar de falar que meu peito jamais seria primavera de novo, com terra seca e murcha, que nada dali floresceria?
se todas as lembranças também são feitas de restos de lágrimas, talvez eu fizesse um buraco numa árvore bem no pé de um morro alto, contasse ali meu segredo e tapasse com barro, ficando assim guardado para a eternidade:
é tudo uma questão de encontro
frequência
já pensou se macho alpha
de repente
vira macho alpha fm
verdade
li uma frase excepcionalmente verdadeira: 'Só há perversidade na frustração da atração, quando corpos se desejam e não cumprem seu encontro'
será que a gente se deseja de mentira todo dia
ou nosso desejo é mesmo perverso?
firma
espera o elevador
4,3,2,1
muitos andares
t de térreo
abre a porta
gracinha entra junto
entoa um 'bom dia' tão curto
mas d'uma sensualidade tão longa
hipnotiza até o narrador-observador
o olho é capturado pela curva do andar
o t do térreo vira t de tesão
o respiro vira suspiro
puro desejo [se é que ele pode ser puro]
cada passo, uma facada no coração
chega no andar-destino
qual era mesmo o caminho?
o abrir das portas poderia ser o abrir das pernas
gêneri
tentei vestir o gênero
o feminino não me coube
o masculino ficou muito grande
estou nu[a]
mas juram que estou com vestes
que conseguem ver meus trajes
como a roupa nova do rei
palavra
tua boca fala uma linguagem
meu corpo fala outra
apesar de idiomas diferentes
vamos unindo nossas línguas
inventamos nosso próprio alfabeto
quantas belas frases criamos
parágrafos no estilo saramago
nunca conhecemos pontuação - transcendemos na transa
a diferença nunca foi desculpa ou impedimento
para os quereres e para os desejos
não há nada que seja tão pequeno e tão maior quanto o beijo
hoje
vou te entregar flores
lírios
das mais diversas cores
desafio
que me ames e fique nas noites
dias inúmeros
para a eternidade, ou o que fores
manhãs também
nas tardes, frios, calores
te dar beijos
constituir amores
não ligo mais
pra passados dissabores
você voltou
até sinto rancores
mas te mostro
um único poema
e você
me desarma sem pudores
thor batista também matou ciclista
é duzomi branco e rico a milícia
e pra quem não é, só malícia
sofrer enquadro todo dia
só de tar andando a esquina
os playba e as patrícia
reclama do preço da cocaína
bota tudo a culpa na dilma
aí o pessoal vem e reduz toda política
falando que é chatice e histeria
gratidão
sobre amor
seja ele qual for
ou sobre afeto
o meu predileto
sobre aprendizado
agradecer ao que foi lhe dado
ao encontro marcado
ter a honra de passar
dias, noites
dormir lado a lado
dividir casa, vida, roupa, sapato
sobre distância
dividir com o mundo
quem você ama
já sobre a saudade
não me atrevo a escrever qualquer frase
esses 11 mil quilômetros
são também de orgulho e gratidão
chamego, sempre no meu coração
rima doce e fácil
como a vida que tive ao seu lado
e os encontros e despedidas:
sempre novos pontos de partida
felidae
feito gato
amarra o sapato
na sola dos teus pés
então me encaixo
nem contente
não contento
com ocaso
ou pobre acaso
é estranho
e intenso
o que eu sinto
feito grito
eu brinco
me afago
com atrito
mas veja bem
não faça descaso
pareço eu carne
em açougue
ou mercado?
a bandagem no calo
ou mero esparadrapo?
pareço fita
acessória
enfeite barato?
ai, essa gata...
[me tem de fato]
viagem
azconta eu sei que esperam
e azplantinha já deixei alguém aguando
mas será que o devaneio atravessa
mar mediterrâneo & oceano atlântico?
tempo
se eu puxar os ponteiros do relógio para trás
será que as horas vão me ser mais leais?
jardim
cheirando teus rastros
procurando por teus passos
calada eu me desfaço - a saudade faz da gente um bagaço
mas se cada vez que pensasse em ti
nascesse então uma flor
girassol, tulipa, lírio, dama-da-noite, ou o que for
imagina, amor
esse mundo seria um eterno jardim cheio de cor
LGBT
quando o "ORGULHO"
faz:
oprimido opressor
cagar regra pra colega
da babilônia ao boticário
de malafaia ao bolsonaro
no fim a gente
ou é massa de manobra
ou é mesmo tudo otário
tudo errado, tudo errado
cores
saiu de camisa vermelha
voltou com olho roxo
e no peito,
apenas um buraco negro
a consciência é furta-cor
coroa
eu a olhava com desejo e ela reparava
e ela me incitava, sorria como quem não quer nada
e as vestes e peles pegavam fogo
e o que é o olho?
na impossibilidade do toque ou em seu complemento
eu tirava as vestes com os olhos
eu desnudava seu corpo com os olhos
beijava seu corpo com os olhos
descobria sua alma pelos olhos.
eu olhava os seus olhos
reintegração de posse
giroflex e sirenes tocam, se acendem, rodopiam fazendo piruetas
mas os bailes já não tem tanta grandeza
é a violência e a porrada que são enaltecidas
pra cada girassol resgatado, matam 7 margaridas
batem em transeuntes, tiram-lhe a moradia
prédios desocupados equivalem a mais-valia
perco o fôlego com as pernas bambas, olhando o que se passa na avenida
desde quando a repressão pode ser tão naturalizada, aplaudida e corriqueira em nossas vidas?
atacam grávidas e deficientes como se eles fossem culpados
e ainda vão reeleger em primeiro turno muitos bastardos
um sentimento de luto generalizado
a especulação imobiliária se torna cara, não é só um valor de mercado
são vidas - será que reparam que esse crime é inafiançável?
as pessoas culpam o governo e o governo culpa o Estado (ninguém lembra da porra do mercado)
reacionários só olham, magnificados - ciclofaixas causam mais pavor que hospitais fechados
aqui jaz, aqui repousam muitos mortos crucificados
e também vários movimentos sociais que foram torturados
dizem que não estamos mais na ditadura, meu caro
numa democracia meio torta, coisa de salafrário
se uma lágrima cai
e o problema não é da gravidade
mancha a tinta, rasga o papel,
o sangue mancha a história dessa cidade
sendo que a culpa não é apenas do sistema,
quem o faz somos nós, meu bem,
nossa omissão e nossos olhos fechados
também são parte do problema
minha bisavó um dia escreveu
em um poema visionário
' adoece o cão da madame de luxo, e vem logo o veterinário
porém morre sem remédio, o filho do operário'
mas tudo bem, tudo isso vai passar
porque se o jornal não abafar, um novo escândalo ele vai achar
uma pauta que seja um furo, e lavar cerebralmente
o que restou do sentimento da nossa gente
e eu ainda tenho que escutar
que política é coisa de gente chata
e que, principalmente,
não está em todo lugar
poema bobo, de métrica infantil
Dona morte, pare de ceifar a vida das pessoas próximas da minha vida e de bem querência
menos de duas semanas e você ataca de novo sem indecência
já entendi que no seu trabalho você tem extrema competência
mas festas no céu estão sendo de tamanha intransigência
(ou me ensine a lidar com esse sentimento de impotência de uma maneira que haja o mínimo de sapiciência)
enquanto nesse plano aqui vamos seguindo, diante das violências
Fins de relacionamentos, convalescenças
Divórcios e adjacências,
Falecimentos e incongruências
Esperanças ingênuas cheias de benevolências
Abraços apertados que exprimem melhor vivência
má sorte ou renascença?
eu não culpo a crença
mas são dolorosas experiências
loucas ambivalências
e contrastantes evidências: florescem aqui as margaridas mas lá fora morrem as hortências
e lidar contigo, acaba sempre sendo pela resistência...
mentira
...seres e sereias:
não vale a pena
a alma pequena
a mentira derradeira
a pessoa que não se mostra inteira
que não quer ser plena
é tanta gente fake
tanta incerteza
nem tudo que reluz é ouro
diz o ditado de cabeceira
mas pra quê omitir?!
deixa de besteira
antes eu tinha dó
hoje acho que é só pena
sê inteiro
esquece as maneiras
o decoro
a família
a porra inteira...
lar
poderia, então, eu
ter força para fazer
o tempo parar
e ficar nesse abraço
hoje
agora
amanhã
durante
segurar os ponteiros
barrar o instante
na eternidade da mirada
pra sempre nesse horizonte
envolta nos braços longos
numa negação desmedida
absorta e redundante
peço calma
você distante
nega meu carinho
vocifera a meu alcance
fiz um movimento no tabuleiro de xadrez
talvez muito ágil
agora sou apenas cavalo tombado
volver
são novos tempos
e mesmo que,
inevitavelmente,
o tempo destrua tudo
demolindo certezas
é preciso ter um grande coração
entender novos ritmos
aceitar com humildade
as desculpas & despedidas
se encontrar em abraços
sem rancor
traduzir afetos
trejeitos
acalmar a fúria da vida
respirar fundo
saber que águas passadas não servem para mover moinhos ou para lavar convés
engolir a arrogância dos vinte e poucos anos
saber que as luzes
que iluminam também podem ser as mesmas que turvam
e aonde há luzes as sombras também são maiores
sentir o sopro da vida,
voltando aonde tudo começou
compreendendo a raiz
para se mostrar,
mas também para ver
o que há diante:
há que se ter coragem.
auto-retrato
em um lugar não mais tão distante,
de um momento de serenidade