falso brilhante
- Gabriela Cavalheiro
- 21 de jul. de 2015
- 3 min de leitura
De longitude, cerca de uma hora e meia
E na temperatura, 3 graus a menos, exceto em dias ruins que eu só conseguia reparar meu coração debaixo de uma grande neve, numa sensação térmica inacreditável, aquela garoa fina que corta a alma como lâmina, que pega nos ossos
e com meus pés suspensos naquela rodovia que os carros passavam num rasgo muito além do limite de 70 quilômetros imposto enquanto eu observava minhas botas, como criança no parque, no alto de uma balança
não conseguia olhar em seus olhos enquanto assinava mecanicamente os papeis necessários e tentava, em vão, sofridamente, me fazer perguntas. Aonde eu estava morando, como estava o trabalho, o casamento, a faculdade. Esteve tão longe que mal sabia que eu havia me separado, graduado e numa infinidade tal qual o horizonte, com outras línguas, linguagens e sabores: passei uma semana comendo pimenta, mas sobrevivi. ao fim de um monólogo sobre a crise econômica, então proferiu, tímido, aquilo que restava de sua coragem 'eu te amo'
são nos olhares que se escondem as saudades, sempre disfarçadas por amenidades... e efemeridades
Olhei para baixo Como antes havia olhado para minhas botas suspensas naquela rodovia que os carros passavam os 70 quilômetros de limite de velocidade imposto talvez essas botas que havia elogiado também haveriam de pisar em seu coração Assim como em outras vezes as suas botas que eu elogiei eram as que pisaram no meu, espezinhando restos de sentimentos, num sangue escuro escroto pisado
e éramos sim, animais sedentos por sangue, que se importavam mais em apontar os erros alheios do que abraços em nossas vidas medíocres e nossas similaridades tamanhas, desesperados pela descoberta de que viver é só isso, mas não só, ao mesmo tempo que é tudo isso. mas dessa vez, sem cervejas, sem risadas
Como será que um carinho tão grande poderia virar um monstro de garras afiadas que transformava duas pessoas naqueles animais peçonhentos, minerais brutos, que vociferavam e esbravejavam como numa jaula, aprisionados nessa gaiola de ódio, dominados pela ganância do capital, sem menores pingos de sensibilidades para entender o que ali se passava e se ocorria, revoltos no manto vermelho do orgulho? são roupas roupas de rei nu que poucos conseguem ver
Uma pena que a nossa alma seja tão pequena - mas que intensidade e que fogo ver nossos ideais crepitando, sendo defendidos de uma maneira tão forte que podemos ambos naufragar em nossos titanics pessoais sem ao menos fazer a brasa apagar em contato com pedaços gigantes de gelo
e no dia seguinte, que era mais que o mesmo (já que eu não havia conseguido dormir direito) eu estava voltando de parelheiros sem ter visto os índios. um carro desgovernado quase bateu no meu, em alta velocidade, atravancando o canteiro do outro lado. uma fração de segundos me salvou. pensei em te ligar e te contar que eu quase havia morrido, que a brutalidade daquela cena me deixara muda, tocando minha sereia na barriga, que me protegia dos mares do mundo. mas como poderia eu ser assim tão honesta, e deixar de falar que meu peito jamais seria primavera de novo, com terra seca e murcha, que nada dali floresceria?
se todas as lembranças também são feitas de restos de lágrimas, talvez eu fizesse um buraco numa árvore bem no pé de um morro alto, contasse ali meu segredo e tapasse com barro, ficando assim guardado para a eternidade: é tudo uma questão de encontro
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