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discursinho de formatura

  • Foto do escritor: Gabriela Cavalheiro
    Gabriela Cavalheiro
  • 27 de mar. de 2015
  • 4 min de leitura

olar é com felicidade e orgulho que inicio a minha fala, para pessoas queridas, saudando um momento intenso de nossas vidas. sinto leveza, apesar dos pesares e de uma série de imprevistos nessa última etapa, mas isso também quero lembrar que faz sempre parte da rotina e da nossa vida, que esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta, o que ela quer da gente é coragem memo, como diria guigui, aquele moço que falava uma série de palavras bonitas.

do vinho que foi bebido no abacate naquele trote quatro anos atrás até o dia de hoje, muitas águas rolaram, e que bom, afinal, águas paradas não movem moinhos, além disso, agora a água está no final, e antes rolassem as águas que as cabeças.

ainda me lembro (mas não como se fosse hoje, por que faz tempo) de nossa primeira semana aqui, naquele misto de ansiedade, medo, a descoberta de uma série de coisas que você mal sabe como começar a digerir, e a desconexão com a superficialidade é brutal: de consciência expandida, cada vez os voos são mais profundos nas leituras e em suas aplicabilidades. Eta povinho que gosta de encher o saco e ler as coisas esse tal de cientista social. foi cada catatau xerocado que eu já tenho rascunho pro resto da vida, nunca mais vou precisar ir em congresso ou na kalunga pegar bloquinho de anotação. uns que são mais apetitosos que outros, e outros que dão uma certa azia que não há sal de frutas intelectual que ajude, mas acontece... apesar das dificuldades do mercado de trabalho, que ainda é restrito e não depende apenas de nosso preparo profissional ou de nossas vontades, somos agraciados com uma série de outras coisas: além da paciência e da esperança que renasce sempre como uma bela fênix, são debates e ideias que não há dinheiro que compre.

e talvez aí que a graça do cientista social resida, em ser essa antítese: a traça que além de comer o papel costura a trama. Ser esse artesão, como diria wright mills, e costurar seu objeto sociológico. Sou extremamente suspeita para falar porque enquanto membra fundadora do sociologia fashion, acho muito importante tramas, tecidos e panos.

alguns dizem que o primeiro ano das ciências sociais é o mais difícil, porque além de ser o de maior estranhamento, é o que você perde mais amigos por virar rabugento, e talvez tenham razão, mas se esquecem de que isso acontece para o resto de nossos tempos, jamais seremos os mesmos. Nossa vida mudou, caríssimos! Impossível sermos os mesmos, e também nesse contexto que vivemos, é impossível que as coisas continuem a serem mais das mesmas.

acho que até mesmo para as pessoas que optaram por fazer essa graduação como complementar, seja segunda ou terceira, um mundo todo se abriu. E não apenas um mundo cheio de novos sofrimentos e de masoquismo, mas um mundo em que se colocar nos sapatos dos outros se faz extremamente necessário, e não apenas enquanto exercício metodológico e antropológico. Falando em antropologia e em necessidades, olha só, faço esse meu “discurso” numa sala que votou que sua paraninfa e sua professora homenageadas são da antropologia, ‘estrangeiras’, um negro lê o juramento e quem discursa é do movimento LGBTX Y Z e bom, já que a sigla vai cada vez mais aumentando. Procuramos com afinco um indígena para integrar a mesa mas hoje ele já tinha compromisso no vão do Masp, protestando contra a PEC 215.

não quero puxar sardinhas, e como diria a carol, não quero me gambar, mas acho que esses são fatos que merecem destaque. Não porque estão aqui presentes e foram importantes nesse processo, mas porque são pessoas cujo trabalho e militância admiro. Percebam quantas pessoas negras existem nessa sala. Percebam quantas notícias sobre intolerância e incitação ao ódio vemos diariamente, e qual é o tratamento dado às pessoas que não são heterossexuais. Reparem em como a xenofobia ataca, e o ódio que muitas disparam aos nordestinos, por exemplo.

É com orgulho, portanto, que afirmo o quão é simbólico ter vocês aqui e como fico feliz - visibilidade importa sim.

Convido vocês, colegas de profissão, a não só fazer honrar esse nosso diploma recebido, mas também da importância de vincularmos nossas teorias com nossas práticas. Que tenhamos perseverança para que não sejamos omissos. Que haja esperança e não mais desespero, e que saibamos agir com as micro-violências do cotidiano. que nossas tristezas se convertam em combustível para as lutas. Forças para que nunca mais sejamos traidores de nossas línguas, mentes e corações, conseguindo nos mobilizar. que não haja mais sentimento de impotência, e que não sentir não apenas o peso da violação mas sim a leveza da ideologia em detrimento das vidas, dignidades, equidades, liberdades e tudo mais e tal. que a nossa fé não falhe, que nós não travemos, que a gente siga e que consiga... Convido vocês também para implantarmos juntos a ditadura cubana gayzista abortista satanista bolivariana ateísta soviete anarco afro brazuca stalinista nordestínica feminazi venezuelana vegana ecochata juche cossaca guarani kaiowá do parto humanizado golpista petralha farc maconhista jedi maoísta esquerdopata jihadista comunista gramsciana internacional socialista do Foro de São Paulo no Brasil.

Dedico esse discurso para uma série de pessoas que não puderam estar aqui por conta da estrutura do ensino superior que privilegia alguns em detrimento de outros, ou por conta do corte das bolsas no ano em que entramos, por exemplo. As pessoas da limpeza e da segurança, que trabalham bastante e que nem recebem um bom dia pelos passantes (queríamos que elas sentassem na mesa e fossem nossas madrinhas e padrinhos mas isso infelizmente não foi possível), aos meus colegas que me ensinaram tantas coisas lindas. Obrigada, FESP, que nos proporcionou encontros com uma série de pessoas incríveis, professores, alunos, pontos de vista, debates. Obrigada também a FESP por nos proporcionar uma série de pessoas, professores, alunos, pontos de vista e debates que fizeram exercitar nossa paciência e tolerância.

Se vocês acham que tocar nesses pontos delicados em um discurso de formatura não é elegante, não pedirei desculpas, mas sim agradecer de ser capaz de provocar desconforto, e que minimamente alguns desses pontos possam ser refletidos. Agradeço também aos meus professores por fazerem nascer em mim o gosto pela capacidade crítica e a não aceitação a conformidade das normais sociais: a culpa disso tudo, é, portanto, em grande parte, deles.

obrigadaney

 
 
 

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